• há 10 meses
Criado em 1997, o Projeto Mémória foi idealizado pela fundação Banco do Brasil e tem como parceiras nesta edição a Rede de desenvolvimento Humado REDEH e BrasilCap. O Acervo Cultne cedeu parte das imagens para a reaização do documentário.

No âmbito acadêmico, a partir das décadas de 1970/80, houve uma releitura da historiografia brasileira sobre escravidão. De acordo com o estudioso Flávio Gomes, essa revisão crítica: “(...) dedicada ao estudo da resistência negra, procurou privilegiar o enfoque sobre os quilombos e insurreições”.37 Nesse período, destacamos as contribuições de duas historiadoras negras: a mineira Lélia Gonzalez e a sergipana Maria Beatriz Nascimento.

Lélia foi pioneira ao denunciar, publicamente, a situação da mulher negra na sociedade brasileira. Na década de 1980, com a publicação de um artigo no livro O lugar da mulher, propôs uma reinterpretação da figura da Mãe Preta. Segundo Lélia:
Tanto a “Mãe Preta” quanto o “Pai João” têm sido explorados pela ideologia oficial como exemplos de integração e harmonia raciais, supostamente existentes no Brasil. Representariam o negro acomodado, que passivamente aceitou a escravidão e a ela correspondeu segundo a maneira cristã, oferecer a outra face ao inimigo. Entretanto, não aceitamos tais estereótipos como reflexos “fiéis” de uma realidade vivida com tanta dor e humilhação. Não podemos deixar de levar em consideração que existem variações quanto às formas de resistência.

Lélia aprofundou essa questão, afirmando, em diversos artigos e entrevistas, que a Mãe Preta ao exercer a função materna foi responsável pela africanização da cultura brasileira, com ênfase no aspecto linguístico. Para ela, nosso idioma era o “pretuguês”. Além desta, criou também a categoria “amefricanidade”.

Com novas perspectivas de análise, buscou em sua atuação reinterpretar e reconstruir a história do Brasil sob a ótica da mulher negra. No movimento feminista, sua contribuição foi a introdução da questão racial nas suas agendas políticas. Até então, as especificidades das mulheres negras não eram contempladas. Essa dificuldade para lidar com a diversidade era um desafio, também, para o movimento negro, tendo em vista que as questões de gênero não estavam no centro do debate. Com isso, recorrendo à filósofa Sueli Carneiro: “Lélia enegreceu o movimento feminista e feminizou a raça”.

No entanto, a importante trajetória desta mineira de alma carioca é desconhecida por grande parcela da população brasileira. Desde o seu falecimento, no ano de 1994, estudiosos e militantes têm batalhado para resgatar sua memória e organizar seu pensamento.

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